“Grande poder”

O banquete começa com o prato Grande poder, inspirado na música de cordel homônima do artista alagoano Mestre Verdelinho (Coqueiro, AL, 1945), interpretada pela banda Comadre Fulôzinha, e na lenda da mandioca (“Lenda de Mani”. Nessa, um pajé recebe a profecia de uma planta desconhecida e, logo depois, nasce Mani, uma criança que rapidamente morre. Na terra onde ela é enterrada nasce uma raiz, eis a mandioca.
O prato, a música e a lenda reverenciam a mandioca, também conhecida como aipim, macaxeira, maniva, a mais fecunda contribuição indígena à culinária brasileira.
A receita principal faz ainda referência à popularidade do pato na alimentação colonial brasileira. A degustação unida à canção interpretada ao vivo inicia a jornada no cenário performático tipicamente brasileiro.
O prato é composto por uma luminária comestível, cuja cúpula é feita de papel de mandioca elaborado pelo milenar processo da filigrana. A cúpula e as laterais da base do prato são revestidas de grafismos indígenas. Essa base, feita de bloco de madeira rústica, apresenta concavidades onde se colocam os petiscos – em cima, crocante de mandioca; embaixo, bolinho líquido de tacacá (iguaria da região amazônica) – ao lado do recipiente contendo o prato principal: pato curado com molho de arubé, uma espécie de mostarda indígena feita com tucupi e farinha ovinha.

“A Cabeça do Bispo”

A antropofagia é o tema abordado neste prato com o intuito de repensar a gastronomia a partir de conceitos do Manifesto Antropofágico. A brincadeira com o título se dá a partir da lenda do primeiro banquete antropofágico brasileiro, quando o “prato principal” foi o Bispo Sardinha, comido pelos povos Caetés na costa brasileira no século XVI.
Para criar o prato, metaforicamente, relaciona-se a deglutição do bispo com a gastronomia e a contemporaneidade. A ideia da “deglutição” trata de sugerir uma gastronomia identitária, no sentido de que deglutimos o outro – a comida estrangeira, o fast-food, a junk food, a adoção dos padrões gastronômicos internacionais – ou deglutimos as coisas boas que podem trazer vantagens à nossa gastronomia, como técnicas novas, novos ingredientes, etc.
O cardápio consiste em uma cabeça prata usando os processos de design em 3D feita de mousse de sardinha na grelha, recheada de molho oriental que é servida sobre um pão crocante com desenhos de fósseis impressos e uma folha de açaí na qual é impressa o manifesto “Como Penso Como”, esse que também é declamado inteiramente no decorrer da cena.

“Sonho Real”

O prato Sonho Real é inspirado no baile da Ilha Fiscal, a última grande festa da monarquia brasileira antes da proclamação da República. O sonho salgado representa o fracasso deste baile, que tinha o objetivo de tentar fortalecer o poder monárquico diante da ameaça republicana. Seis dias depois, a República seria proclamada anunciando a dissociação da corte portuguesa com a realidade. Marcado pelo excesso e pela extravagância, o baile ficou famoso como a mais ostensiva festa brasileira.

O prato consiste em massa de sonho aromatizada com orégano recheada com uma brandada de bacalhau. A coroa é feita de telha de alho com diamantes de sal de Maldon. Sob o sonho, uma porção de bacalhau confeitado com lâminas de maxixe curadas com molho de frutos do mar. O travesseirinho, em porcelana fria, representa a realeza portuguesa servindo de suporte ao sonho da coroa, que ruiria em alguns dias.

Sobre o suporte há a impressão do cardápio servido no baile em dourado. Na performance os atores brincam com os ingredientes usados nesse banquete, humorizando fatos como a extinção da jacutinga acelerada pelo sonho real que não se concretizou.

“Ar de preces, psicografado porOlumaré”

Esse prato faz alusão à influência da cultura negra em nossa comida. Inspirada nas cerimônias do Candomblé e nas comidas de santo faz-se uma homenagem aos Orixás. A comida e o comer ocupam lugar fundamental nos terreiros de Candomblé. O alimento é entendido como força vital, princípio criativo e doador. Na comida encontra-se a energia máxima de uma oferta e a força que fortifica os ancestrais.
No terreiro, a comida de orixá obedece a prescrições complexas conforme a função que deve desempenhar expresso nas múltiplas maneiras de preparar os ingredientes. Por meio da comida oferecida aos orixás se estabelecem relações entre o devoto, à comunidade e o orixá.
No prato, Iemanjá, Ogum e Exú estão representados em três patuás feitos de massa desenvolvida com farinha de arroz e leite de coco, cada um recheado com suas oferendas: cará, peixe, camarão e flor de alho para Iemanjá, vinho de palma e quiabo para Ogum; galo capão e pimenta biquinho para Exú.
No centro do prato, uma esfera transparente comestível exala uma fumaça aromatizada com especiarias e “obi”. Para o candomblé a semente de obi é sagrada nela se concentra todos os pensamentos positivos dos mais poderosos Orixás. Abaixo da esfera de açúcar há o acaçá, presente em todas as oferendas, feito de milho branco e limão. Acompanham molho de vatapá e farofa de acarajé.

“Peripécias de bode no reinodos bacanas”

Inspirado no universo de Lampião, o prato Cacto é composto de paleta de bode, jerimum (abóbora) e arroz cateto, alimentos típicos da região nordeste, acondicionados em uma marmita no formato de um mandacaru feita por um dos poucos artesãos que ainda dominam a rebuscada técnica do cinzelado.
O arroz cateto, feito com água de abóbora, caldo de boi, manteiga de garrafa e queijo meia cura, foi produzido em parceria com produtores rurais no sistema de agricultura familiar.
A paleta de bode glaceada é inspirada na estética de Lampião e seu bando. Do lado de fora do prato estão a paçoca de pilão (carne seca, farinha de mandioca com manteiga de garrafa, batida no pilão até virar areia), a gelatina de figo-da-índia, o bolo de amendoim feito no sifão e a beldroega.
O mandacaru nos remete ainda ao Abaporu, quadro de Tarsila do Amaral. Nele aparecem elementos devocionais usados na indumentária dos cangaceiros: no alto, uma moeda tem de um lado, Deus, e do outro, o diabo, alusão ao filme de Glauber Rocha, Deus e o diabo na terra do Sol.
A proposta do prato foi criar uma metáfora entre o brasileiro e os ingredientes, que para existirem devem ser resistentes às diversidades climáticas. Os comensais, ao comê-los, trazem para si a consciência de nossa história e a resistência adquirida através destes elementos.

Ossos do Ofício

Este prato tem como proposta homenagear as mulheres de uma comunidade chamada Jardins, localizada no estado de Mato Grosso do Sul, impactadas por um projeto social.
Essas mulheres possuem um trabalho especial construído a partir do uso de ossos, que provém do aproveitamento da criação de gado da região, raspando-os e esculpindo-os cuidadosamente até ficarem com aspecto de marfim, daí o título Ossos do Ofício. O prato vem preparado sobre estes ossos, esculpidos um a um, com diferentes desenhos inspirados nos animais da região.
Composto de panceta de porco crocante, curadas e fritas; purê de cítricos, recheado com ragu de costela e creme de abóbora com queijo da canastra; picles de vegetais e flores orgânicas comestíveis da Fazenda Maria, acompanhados de chimichurri de erva-mate. Nessa cena um rap reverencia o artesanato brasileiro.

“A preço de banana”

Inspirado em Carmen Miranda, seus balangandãs, chapéus de frutas e na frase ‘Banana is my business’, o prato questiona a imagem estereotipada de um Brasil “vendido a preço de ouro” mostrando uma gastronomia consciente e bem humorada.
Assimilando a imagem contida na frase “a preço de banana”, inscrito no prato, apresenta-se a ideia de um produto barato em contraposição ao ouro da banana pintada. Há aqui uma brincadeira com as várias acepções do nome da fruta: somos a banana-ouro sem deixar de ser banana, somos um país de bananas, assim, a banana parece ser, desde sempre, o preço do Brasil. Por outro lado, temos a banana como uma identidade nacional: em sua simplicidade despretensiosa, traz alegria e graça a um país com vocação para a eterna felicidade, mas que não sabe explorar de forma positiva, seus valores mais arraigados.
O prato consiste em uma banana-ouro feita de mousse de chocolate branco caramelizado com recheio de doce de banana, coberta por uma capa de canela dourada sobre uma fina fatia de queijo afinada, apresentada em uma escultura de porcelana fria que remete aos balangandãs.

“Conflito!”

Inspirado na Festa do Divino Espírito Santo, o prato representa a influência católica na comida brasileira. Vinda de Portugal, a festa nasceu de uma situação de conflito entre o marido e o filho da rainha Isabel de Aragão, no século XIV. Diante da discórdia, ela suplica ao Espírito Santo pela paz. Esse prato nos lembra que, apesar da aparente paz que reina durante a Festa do Divino, o mundo que nos rodeia é repleto de guerras e desentendimentos. O tema é ilustrado pela Pomba do Divino que está no meio do prato, representando a paz e a harmonia, cercada por conflitos pelo mundo.
O doce, em formato de fogueira, é composto por cremoso de chocolate apimentado com doce de cupuaçu, castanha baru e bolo de cacau banhado em chocolate branco. Ao redor da peça central, há a impressão com mousse de chocolate apimentado e crocante de araçá, dos nomes dos lugares onde estão ocorrendo conflitos na atualidade, seja nos países onde a religião é causa dos embates, seja nas periferias das grandes cidades, retratados também, em um rap que dá início a cena.

Tabuleiro brasileiro

Tabuleiro brasileiro fecha o banquete resgatando memórias de quitutes culinários de diversas infâncias do imaginário popular. Evocando sons, cheiros, formas e a textura própria de cada guloseima o prato remete a sensações pueris. Todos os elementos são comuns na doçaria brasileira e são vendidos na rua: paçoca, goiabada, pipoca e doce de graviola.

O prato foi inspirado na história da quituteira Manuela que encontrou o amor e a liberdade por meio de seu tabuleiro, assim como tantas outras doceiras que fizeram seu sustento por meio dos quitutes de rua e foram retratadas ao longo de nossa narrativa nacional.

Performado por baianas cantando e oferecendo doces aos participantes que trazem em seu tabuleiro paçoca Amor feita de mousse de amendoim envolta em folha de coco, mousse de queijo com goiabada envolta em papel de goiaba, mini-pipoca-doce de tapioca e bala de jabuticaba. Sobre o tabuleiro vai a renda de graviola comestível. Entre as doces lembranças infantis os participantes são convidados a experienciar uma nova forma de saborear os clássicos da infância.