A convite da Animale e inspirada pelo conceito da coleção Urban Flora, Simone Mattar concebeu uma gastroperformance, orquestrando diferentes linguagens para proporcionar às convidadas da marca uma experiência imersiva e multissensorial. A vivência proposta pela artista está ancorada na suspensão da oposição entre natureza e cultura, e revela, por meio de imagens, sons e sabores, a insistência da vida que, sem pedir licença, germina onde quer que encontre uma brecha. As tensões entre a geometria calculada das cidades e a organicidade exuberante de nossa flora alimentam a proposição de Mattar. O elogio da complementariedade dessas forças norteou a concepção da obra, que foi estruturada em cinco atos: lava, concreto, poesia concreta, musgo e flores.
Ato 1. Lava – Couvert
O primeiro ato é telúrico e se inspira na subida do suco de rochas que fervilha sob nós até a crosta terrestre. Reminiscência da origem da Terra, lava é o nome dado ao magma que abandona as profundezas para liberar a energia interna do planeta. Esse mecanismo de autorregulação energética engendra as paisagens vulcânicas. A viscosidade incandescente e o lento e irreversível escoar da lava são saturados de um erotismo cósmico. A temperatura elevada com que esse material chega até a litosfera resulta em um processo lento de resfriamento que confere às montanhas vulcânicas um aspecto viscoso, a despeito de sua rigidez rochosa.
Ato 2. Concreto – Entrada
Inconformados com a impossibilidade de utilizar lava para construir seus projetos, os humanos desenvolveram o concreto. O princípio é semelhante, trata-se de um composto mineral viscoso que, quando seco, assume uma forma rígida, oferecendo resistência e sustentação. Nossas cidades testemunham a versatilidade dessa invenção, capaz de acolher tanto as linhas de Lina Bo Bardi e Paulo Mendes da Rocha quanto as curvas sinuosas de Oscar Niemeyer
Ato 3. Poesia concreta – Primeiro prato
O desejo construtivo dos humanos é tão grande que, além de designar o composto utilizado na construção civil, a palavra “concreto” passou a significar também aquilo que é real, existente, verdadeiro. O real se confundiu com o construído. A poesia concreta testemunha essa acepção. Nela, as palavras são consideradas para além de seus significados, enquanto materialidades visíveis e sonoras com as quais se edifica poemas. Podemos, também, encontrar poesia no material concreto de que são feitas nossas cidades. As marcas do tempo, o desgaste das superfícies e o acesso às camadas mais profundas de nossas construções nos convidam a uma arqueologia da nossa própria civilização.
Ato 4. Musgo – Segundo prato
Construir para ocupar o espaço tem algumas implicações. Uma das mais fascinantes é a criação de zonas de luz e de sombra. Sob a sombra de nossas construções, observamos o impulso de outros seres à ocupação do espaço: os musgos. Essas plantas, de organização simples, sem caule ou raízes, instalam-se onde quer que haja sombra e alguma umidade. O modo como essa trama verde reveste o solo, as rochas, caules de árvore e nossas paredes nos convida a rever qualquer hierarquia que possamos supor entre nós e os vegetais. A arquitetura rendada dos musgos não deixa nada a desejar em comparação às mais imponentes catedrais.
Ato 5. Flores – Sobremesa
O último ato é dedicado às flores. Da insistência da vida que se espraia onde o sol não chega saltamos para a grandiloquência cromática das flores, parte das plantas que participa do ciclo reprodutivo, atraindo, além de nossos olhares fascinados, diversos polinizadores. Devido à diversidade formal e cromática e às narrativas míticas acerca de suas origens, as flores possuem uma dimensão simbólica em nossa cultura. Essa nossa relação com as flores, mediada tanto pelos significados culturais de cada espécie quanto pela apreciação estética, reforça nossa aposta em que a natureza e a cultura não estão tão distantes quanto supomos.