Como Penso Como

Como Penso Como foi a gastroperformance montada no Sesc Pompéia (2013), e na Casa Electrolux (2015) em São Paulo. A ideia foi criar um projeto de “food experience design” ou gastroperformance, com o intuito de abordar diferentes aspectos da história, literatura, alimentação e cultura brasileira usando diferentes linguagens criativas como música, teatro, cenográfica e recursos multimidiáticos, potencializando a comida como meio expressivo usando diversas disciplinas em um projeto que retrata a identidade brasileira.
A gastroperformance aborda como o homem se relaciona com a comida, seus aspectos, seus instintos e toda sua significação ao longo da história desde os rituais totêmicos ao início do food design, passando pelos banquetes medievais, a simbologia da comida para exercício da fé, até chegar aos dias de hoje, quando se percebe que duas diametralmente opostas realidades são igualmente banais: o fast food e sua antítese, a gastronomia internacionalizada cujos ingredientes e processos estão cada vez mais parecidos e ligados a uma elite que a consome sem refletir. O COMER distante do PENSAR não é o que se espera desta experiência, que propõe uma gastronomia não catequizada, capaz de refletir o mundo de forma autônoma.

Exclusivamente idealizada, espaço, música, utensílios, receitas, poemas, imagens, criam uma experiência única de degustação de nove pratos servidos em cerca de 90 minutos em duas sessões diárias para 30 pessoas cada.

O espetáculo gastronômico se desenvolve em nove cenas e nove pratos, compostos de 60 receitas, que simbolicamente representam aspectos da brasilidade, tais como o sincretismo religioso, o Cinema Novo, o Manifesto Antropófago de 1928, o Tropicalismo, os manuais de boas maneiras e outros tantos conceitos, nesse tabuleiro fresco e inovador. Passeando de forma bem-humorada por alguns dos padrões brasileiros que fundamentaram a cultura nacional, redesenha-se uma proposição para uma possível identidade da gastronomia brasileira sem querer definí-la.

Processos utilizados para a disciplina de design como execução de imagens em 3Ds, moldes, diferentes maneiras de reprodução foram adaptados em elementos dos pratos como na luminária de mandioca crocante; nos papéis comestíveis com diversos sabores a partir da polpa de alimentos e tintas produzidas a partir da redução de alimentos; na renda de graviola; nos textos de chocolate impressos; na cabeça de sardinha em 3D; no chocolate em forma de banana; dentre outros elementos que permitem essa viagem pela História brasileira por meio dessa experiência gastroperformática.

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Grande poder

O banquete começa com o prato Grande poder, inspirado na música de cordel homônima do artista alagoano Mestre Verdelinho (Coqueiro, AL, 1945), interpretada pela banda Comadre Fulôzinha, e na lenda da mandioca (“Lenda de Mani”. Nessa, um pajé recebe a profecia de uma planta desconhecida e, logo depois, nasce Mani, uma criança de pele clara que rapidamente morre de forma misteriosa. Na terra onde ela é enterrada, nasce uma planta, cuja raiz é tão branca quanto a pele da menina, eis a mandioca.

O prato, a música e a lenda reverenciam a mandioca, também conhecida como aipim, macaxeira, maniva ou pão de pobre, a mais fecunda contribuição indígena à culinária brasileira. A intenção é mostrar a importância da mandioca.

A receita principal faz referência à popularidade do pato na alimentação colonial brasileira e aos jogos entorno do abate do animal. A degustação do prato unida à canção interpretada ao vivo inicia a jornada no cenário performático tipicamente brasileiro.

O prato é composto por uma luminária comestível, cuja cúpula é feita de papel de mandioca elaborado pelo milenar processo da filigrana, no qual o acúmulo de polpa forma os tons de cinza. A cúpula e as laterais da base do prato são revestidas de grafismos indígenas. Essa base, feita de bloco de madeira rústica, apresenta concavidades onde se colocam os petiscos – em cima, crocante de mandioca; embaixo, bolinho líquido de tacacá (iguaria da região amazônica) – ao lado do recipiente contendo o prato principal: pato curado com molho de arubé, uma espécie de mostarda indígena feita com tucupi e farinha ovinha.

O nosso Deus corrige o mundo
Pelo seu dominamento
Sei o que a terra gira
Com o seu grande poder
Grande poder, com o seu grande poder

O nosso Deus corrige o mundo
Pelo seu dominamento
Sei o que a terra gira
Com o seu grande poder
Grande poder, com o seu grande poder

A terra deu, a terra dá, a terra cria
Homem a terra cria, a terra deu, a terra há
A terra voga, a terra dá o que tirar
A terra acaba com toda mal alegria
A terra acaba com inseto que a terra cria

Nascendo em cima da terra
Nessa terra há de viver
Vivendo na terra, que essa terra há de comer
Tudo que vive nessa terra
Pra essa terra é alimento

Deus corrige o mundo pelo seu dominamento
A terra gira com o seu grande poder
Grande poder com o seu grande poder

O nosso Deus corrige o mundo
Pelo seu dominamento
Sei o que a terra gira
Com o seu grande poder
Grande poder, com o seu grande poder

Porque no céu a gente vê uma estrelinha
Aquela estrela nasce e se põe às seis horas
Quando é de manhã, aquela estrela vai embora

Tem uma maior e tem outra mais miudinha
Tem uma acesa e outra mais apagadinha
Seis horas da noite é que pega aparecer
Quando é de manhãzinha ela torna a se esconder

Só de noite ela brilha em cima do firmamento
Porque Deus corrige o mundo pelo seu dominamento
A terra gira com o seu grande poder
Grande poder com o seu grande poder

O nosso Deus corrige o mundo pelo seu dominamento
Sei o que a terra gira com o seu grande poder
Grande poder com o seu grande poder

O homem aplanta um rebolinho de maniva
Aquela maniva com dez dias ta inchada
Começa nascer aquela folha orvalhada
Ali vai se criando aquela obra positiva
Muito esverdeada muito linda e muito viva

Embaixo cria uma batata que engorda e faz crescer
Aquilo dá farinha pra todo mundo comer
E para toda criatura vai servir de alimento

Deus corrige o mundo pelo seu dominamento
A terra gira com o seu grande poder
Grande poder com o seu grande poder

O nosso Deus corrige o mundo
Pelo seu dominamento
Sei o que a terra gira
Com o seu grande poder
Grande poder, com o seu grande poder

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A Cabeça do Bispo

A antropofagia é o tema abordado neste prato, que tem o intuito de repensar a gastronomia a partir de conceitos do Manifesto Antropofágico. A brincadeira com o título se dá a partir da lenda do primeiro banquete antropofágico brasileiro, quando o “prato principal” foi o Bispo Sardinha, comido pelos povos Caetés na costa brasileira no século XVI.
Para criar o prato, metaforicamente, relaciona-se a deglutição do bispo com a gastronomia e a contemporaneidade. A ideia da “deglutição” trata de sugerir uma gastronomia identitária, no sentido de que deglutimos o outro – a comida estrangeira, o fast-food, a junk food, a adoção dos padrões gastronômicos internacionais – ou deglutimos as coisas boas que podem trazer vantagens à nossa gastronomia, como técnicas novas, novos ingredientes, etc.

O cardápio consiste em uma cabeça prata usando os processos de design em 3D feita de mousse de sardinha na grelha, recheada de molho oriental que é servida sobre um pão crocante com desenhos de fósseis impressos e uma folha de açaí na qual é impressa o manifesto “Como Penso Como”, esse que também é declamado inteiramente no decorrer da cena.

De maneira bem humorada faz-se uma analogia ao manifesto de Oswald, usando o episódio do bispo para criar uma licença poética para a influência do estrangeiro em um momento de tendência ufanista no Brasil come-se, literalmente, o Manifesto, que “comeu” o bispo, e come-se o bispo que foi comido pelos indígenas novamente. É possível se inspirar no exterior, deglutir e devolver como algo novo. Assim, o prato extrapola o âmbito gastronômico e transita no universo socioeconômico e filosófico: comemos o estrangeiro e transformamos a nossa cultura a partir disso. Ou seja, antropofagia em todos os sentidos.

Contra a gastronomia parnasiana.
Exija culinária sensível!
Ponha a língua na cultura
Vomite o que não é palatável:
O homem cordial, a alta comida
e a comida de lata
É o amor que perdura o gosto
Comida de rua é pátria
Processos, ingredientes e história
Toda receita é imperativa:
Corte! Adicione! Ferva! Coloque! Mexa!
Degluta o bispo
Reverencie a mandioca
Ponha a penca na cabeça
Cinzele o cangaço
Aprenda com as mãos das negras
Herde um caderno escrito a lápis
Coloque tucupi no not tucupi
Harmonize a comida com o mundo
Fartura na mesa da cultura
Comida sem compostura
Exerça as possibilidades
Exerça
Porque alguns exercem
Carême, Oswald, Carmen, Lampião
Peneire a farinha sem peneirar a sujeira
Devore todos eles
Coma, logo pens

e.

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Sonho Real

O prato Sonho Real é inspirado no baile da Ilha Fiscal, a última grande festa da monarquia brasileira antes da proclamação da República. O sonho salgado representa o fracasso deste baile, que tinha o objetivo de tentar fortalecer o poder monárquico diante da ameaça republicana. Seis dias depois, a República seria proclamada anunciando a dissociação da corte portuguesa com a realidade. Marcado pelo excesso e pela extravagância, o baile ficou famoso como a mais ostensiva festa brasileira.

O prato consiste em massa de sonho aromatizada com orégano recheada com uma brandada de bacalhau. A coroa é feita de telha de alho com diamantes de sal maldon. Sob o sonho, uma porção de bacalhau confeitado com lâminas de maxixe curadas com molho de frutos do mar. O travesseirinho, em porcelana fria, representa a realeza portuguesa servindo de suporte ao sonho da coroa, que ruiria em alguns dias.

Sobre o suporte há a impressão do cardápio servido no baile em dourado. Na performance os atores brincam com os ingredientes usados nesse banquete, humorizando fatos como a extinção da jacutinga acelerada pelo sonho real que não se concretizou.

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Ar de preces, psicografado por Olumaré

Esse prato faz alusão à influência da cultura negra em nossa comida. Inspirada nas cerimônias do Candomblé e nas comidas de santo faz-se uma homenagem aos Orixás. A comida e o comer ocupam lugar fundamental nos terreiros de Candomblé. O alimento é entendido como força vital, energia, princípio criativo e doador. Na comida encontra-se a energia máxima de uma oferta e a força que fortifica os ancestrais.

No terreiro, a comida de orixá obedece a prescrições complexas conforme a função que deve desempenhar expresso nas múltiplas maneiras de preparar os ingredientes. Por meio da comida oferecida aos orixás se estabelecem relações entre o devoto, a comunidade e o orixá. Por trás de cada prato ofertado há uma visão de mundo, um porquê, que faz do comer síntese do equilíbrio no mundo.

No prato, Iemanjá, Ogum e Exú estão representados em três patuás feitos de massa desenvolvida com farinha de arroz e leite de coco, cada um recheado com suas oferendas: cará, peixe, camarão e flor de alho para Iemanjá, vinho de palma e quiabo para Ogum; galo capão e pimenta biquinho para Exú.
No centro do prato, uma esfera transparente comestível exala uma fumaça aromatizada com especiarias e “obi”. Para o candomblé a semente de obi é sagrada nela se concentra todos os pensamentos positivos dos mais poderosos Orixás. Abaixo da esfera de açúcar há o acaçá, presente em todas as oferendas, feito de milho branco e limão. Acompanham molho de vatapá e farofa de acarajé.

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Peripécias de bode no reino dos bacanas

Inspirado no universo de Lampião, o prato Cacto é composto de paleta de bode, jerimum (abóbora) e arroz cateto, alimentos típicos da região nordeste, acondicionados em uma marmita no formato de um mandacaru feita por um dos poucos artesãos que ainda dominam a antiga e rebuscada técnica do cinzelado.

O mandacaru é uma planta muito comum no nordeste brasileiro, resiste às secas e também é usada na alimentação de animais. O arroz cateto, feito com água de abóbora, caldo de boi, manteiga de garrafa e queijo meia cura, é uma variedade curta desse cereal, especialmente produzido em parceria com produtores rurais no sistema de agricultura familiar. Com características parecidas ao arroz agulhinha, apresenta grande quantidade de carboidratos, sendo boa fonte de proteínas e contêm altos teores de fibras.

A paleta de bode glaceada é inspirada na estética de Lampião e seu bando. Do lado de fora do prato estão a paçoca de pilão (carne seca, farinha de mandioca com manteiga de garrafa, batida no pilão até virar areia), a gelatina de figo-da-índia, o bolo de amendoim feito no sifão e a beldroega.

O cacto nos remete ainda ao Abaporu, quadro de Tarsila do Amaral. Nele aparecem elementos devocionais usados pelos cangaceiros em sua indumentária. No alto, uma moeda tem de um lado, Deus, e do outro, o diabo, alusão ao filme de Glauber Rocha, Deus e o diabo na terra do Sol. Na performance os diálogos dos atores também são baseados no filme.

A proposta do prato foi criar uma metáfora entre o brasileiro e os ingredientes, que para existirem devem ser resistentes às diversidades climáticas. Os comensais, ao comê-los, trazem para si a consciência de nossa História e a resistência adquirida através destes elementos.

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Ossos do Ofício

Este prato tem como proposta homenagear as mulheres de uma comunidade chamada Jardins, localizada no estado de Mato Grosso do Sul, impactadas por um projeto social.

Estas mulheres possuem um trabalho especial construído a partir do uso de ossos, que provém do aproveitamento da criação de gado da região, raspando-os e esculpindo-os cuidadosamente até ficarem com aspecto de marfim, daí o título Ossos do Ofício. O prato vem preparado sobre estes ossos, esculpidos um a um, com diferentes desenhos inspirados nos animais da região.

Composto de panceta de porco crocante, curadas e fritas; purê de cítricos, recheado com ragu de costela e creme de abóbora com queijo da canastra; picles de vegetais e flores orgânicas comestíveis da Fazenda Maria, acompanhados de chimichurri de erva-mate. Nessa cena um rap reverencia o artesanato brasileiro.

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A preço de banana

Inspirado em Carmen Miranda, seus balangandãs, chapéus de frutas e na frase ‘Banana is my business’, o prato questiona a imagem estereotipada de um Brasil “vendido a preço de ouro” mostrando uma gastronomia consciente e bem humorada.

Assimilando a imagem contida na frase “a preço de banana”, inscrito no prato, apresenta-se a ideia de um produto barato em contraposição ao ouro da banana pintada. Há aqui uma brincadeira com as várias acepções do nome da fruta: somos a banana-ouro sem deixar de ser banana, somos um país de bananas, assim, a banana parece ser, desde sempre, o preço do Brasil. Por outro lado, temos a banana como uma identidade nacional. Em sua simplicidade despretensiosa, traz alegria e graça a um país com vocação para a eterna felicidade, mas que não sabe explorar de forma positiva, seus valores mais arraigados.

O prato consiste em uma banana-ouro feita de mousse de chocolate branco caramelizado com recheio de doce de banana, coberta por uma capa de canela dourada sobre uma fina fatia de queijo afinada, apresentada em uma escultura de porcelana fria que remete aos balangandãs.

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Conflito!

Inspirado na Festa do Divino Espírito Santo, o prato representa a influência católica na comida brasileira. Vinda de Portugal, a festa nasceu de uma situação de conflito entre o marido e o filho da rainha Isabel de Aragão, no século XIV. Diante da discórdia, ela suplica ao Espírito Santo pela paz. Esse prato nos lembra que, apesar da aparente paz que reina durante a Festa do Divino, o mundo que nos rodeia é repleto de guerras e desentendimentos. O tema é ilustrado pela Pomba do Divino que está no meio do prato, representando a paz e a harmonia, cercada por conflitos pelo mundo. A ilustração é estampada com calda de chocolate e o fogo é feito de chocolate com pimenta (porque nada é tão doce assim no mundo) e crocante de araçá. É servido por Isabel de Aragão.

O doce, em formato de fogueira, é composto por cremoso de chocolate apimentado com doce de cupuaçu, castanha baru e bolo de cacau banhado em chocolate branco. Ao redor da peça central, há a impressão com mousse de chocolate apimentado e crocante de araçá, dos nomes dos lugares onde estão ocorrendo conflitos na atualidade, seja nos países onde a religião é causa dos embates, seja nas periferias das grandes cidades, retratados também, em um rap que dá início a cena.

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Tabuleiro brasileiro

Tabuleiro brasileiro fecha o banquete resgatando memórias de quitutes culinários de diversas infâncias do imaginário popular. Evocando sons, cheiros, formas e a textura própria de cada guloseima o prato remete a sensações pueris. Todos os elementos são comuns na doçaria brasileira e são vendidos na rua: paçoca, goiabada, pipoca e doce de graviola.

O prato foi inspirado na história da quituteira Manuela que encontrou o amor e a liberdade por meio de seu tabuleiro, assim como tantas outras doceiras que fizeram seu sustento por meio dos quitutes de rua e foram retratadas ao longo de nossa narrativa nacional.

Performado por baianas cantando e oferecendo doces aos participantes que trazem em seu tabuleiro paçoca Amor feita de mousse de amendoim envolta em folha de coco, mousse de queijo com goiabada envolta em papel de goiaba, mini-pipoca-doce de tapioca e bala de jabuticaba. Sobre o tabuleiro vai a renda de graviola comestível. Entre as doces lembranças infantis os participantes são convidados a experienciar uma nova forma de saborear os clássicos da infância.

35 fragmentos

35 fragmentos (2015), foi uma gastroperformance montada originalmente para a Feira Internacional Arte Contemporáneo na embaixada brasileira de Madri, Espanha, e remontada para a 12 edição de SP-Arte. 2016, no Pavilhão da Bienal em São Paulo, com patrocínio Air France, e em 2018 no Senac Aclimação. A obra unia gastronomia, teatro, música, pintura e escultura, empregando a materialidade da comida como forma de expressão. Cada sessão tinha um público de até 40 pessoas. Numa longa mesa, viam-se camafeus em tamanho natural de 35 cabeças com a face voltada para cima, modeladas com materiais comestíveis usando uma técnica concebida por Simone Mattar e sua equipe. sobre cada camafeu, eram projetadas filmagens dos rostos de 35 pessoas reais de culturas e locais diferentes, sincronizadas com o áudio de suas vozes, As falas relatavam angústias, medos, memórias de infância e sonhos, revelando conflitos de pertencimento, de transitoriedade e de fragilidade individual. Simultaneamente, questionavam a validade do próprio projeto em que estavam . As contradições entravam num crescente, culminando numa cacofonia de vozerio em que as cabeças passavam a propor seu próprio sacrifício antropófago como solução, convidando o público a comê-las com os talheres à disposição, À medida em que eram comidas pelo público, as projeções sobre os rostos assumiam formas grotescas. As comidas no interior das cabeças eram: mousse de berinjela defumada, pasta de pimentão com nozes, salada de grãos com pimenta libanesa e romã; mousse de seis queijos com tomates-surpresa recheados de pesto de rúcula ou olivada; crémeux de chocolate meio amargo, mousse aerado de paçoca, crocantes de pé de moleque; mousse de curau de milho cremoso, goiabada mole, crocante cristalizado de coco.

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Concreto Efêmero

Concreto Efêmero (2017) foi uma instalação montada no estande brasileiro da Feira de Alimentação Anuga, em Colônia, Alemanha, para a ApexBrasil –Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos. A instalação consistiu de pequenos cubos de chocolate em três superfícies de um cubo maior inspirado nos cubos concretistas do escultor austro-brasileiro Franz Weissmann. O concretismo foi um movimento importante na arte e no design brasileiros a partir do início do século XX, associado à industrialização e à inovação no país. O estande brasileiro enfatizou o aspecto inovador do Brasil, ilustrado com esta gastroperformance. Nos quatro dias da feira, foram servidas 2.000 unidades por dia, preparadas numa cozinha especialmente montada para a ocasião, que processou um total de 500kg de chocolate.

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Ópera dos Porcos

Ópera dos Porcos (2018) foi montada na Galeria Rabieh, em São Paulo, para a feira SP Arte, incluindo a gastroperformance “Feijoada Branca”, que interativamente articulava sensações visuais, auditivas, táteis, olfativas e gustativas. Numa extensa mesa em uma das salas, o público deparava-se com torrões de feijoada moldados no formato de pedaços de porco típicos da feijoada – costelas, focinhos, línguas, orelhas e pés – envoltos numa cobertura branca. Na parede, havia três pinturas de Omar Castañeda com porcos pintados a sangue de porco, e três fotografias de Quintina Valero. Na parede da sala contígua, havia três cabeças de porco do mesmo material sobre as quais era projetada um vídeo de cabeças de porcos reais que pareciam entoar uma irônica canção composta especialmente para esta gastroperformance.

Ao final da canção, o público era convidado a arrancar pedaços comestíveis das cabeças. No ambiente externo da galeria, uma cantora lírica dialogava com a exibição do vídeo de uma competição de imitações de guinchos de porcos nos EUA. A obra toda traduzia a rica simbologia associada ao porco – sorte, dinheiro, voracidade, corrupção, sujeira – em contraposição ao status da feijoada como prato típico brasileiro, e sua criação atribuída aos negros escravizados a quem eram relegados os pedaços “ruins” do porco, mas também à ideia dos EUA como “porco capita lista”.

Dentro dos pedaços brancos em cima da mesa, está a feijoada negra de origem negra.

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É uma experiência

O Porco reproduz conceitos muitas vezes antagônicos na história da humanidade: dinheiro e pobreza, celebração e repulsa, sorte e avareza, mas sempre com uma analogia potente em que o ser humano se reconhece. Detrás dos porcos, se escondem os homens. E a gastronomia se esconde detrás da beleza. Muitas vezes nos entendemos como porcos – por toda a grande simbologia complexa e paradoxal que há em nós e nas metáforas que a história proporcionou aos suínos, que também são banidos por alguns paladares e pelas mais variadas justificativas.

Nesta Ópera dos Porcos, Simone Mattar cria uma récita que se acomoda à exigência de seu ouvinte. Se séria ou bufa, se longa ou breve, se reflexiva ou prosaica, cabe desejar ouvir e escolher o momento. Em pleno século XXI, a ópera conjetura potencial para agregar manifestações artísticas como artes visuais, intervenções eletrônicas e o conceito de Simone de gastroperfomance.

Talvez seja a ópera a mais inverossímil de todas as artes. Nesta expressão, também chamada de teatro lírico, tudo está cantado. Sua forma artística celebra uma estética singular: plasticidade, sonoridade, narrativa, teatro e música que convivem entre si, entrelaçados em histórias e personagens reais, fantasiosos, míticos e metafóricos para que o contemplador experimente o mais absurdo e extravagante do mundo.

Ao longo da história da ópera, ela serviu como entretenimento tanto ao povo quanto à aristocracia, dos teatros populares aos primeiros teatros pagos em Veneza. Veio rara no Renascimento com Monteverdi, pertenceu ao quase ausente Barroco, ao pomposo Classicismo, ao frugal apogeu do Romantismo, à consagração no Pós-Romantismo, às rupturas do Dodecafonismo. Às experimentações da contemporaneidade, como esta, sem marcas de fadiga, a ópera se molda sem exaurir as tendências artísticas que ainda são possíveis e nos fazem surpreender, até mesmo no paladar. Tal qual o porco, que passa por séculos em receitas tradicionais dos escravos, dos burgos e dos nobres e cujos apresentação e requinte flertam com os costumes das épocas.

Simone Mattar nos revela em três atos que o porco continuará habitando os mais recônditos sonhos dos cozinheiros e dos poetas e, malgrado toda a artificialidade da ópera, ela igualmente se manterá como das mais espetaculares maneiras de proporcionar quimeras.

Aurea Vieira 

Concepção artística: Simone Mattar
Concepção artística: Simone Mattar
Colaboração artística:
Coletivo Food of War
Omar Castañeda
Quintina Valero
Carolina Muñoz
Zinaida Lihacheva
Hernan Barros
Concepção musical:
Letra: Simone Mattar
Melodia: Renata Mattar
Arranjo: Gustavo Souza
Vozes: Raquel Paulin e Renata Mattar

Formatação

6 dias
Duas sessões por dia – 12 sessões.
40 pessoas por sessão.
3 atos realizado em 4 ambientes.
Duração 60 minutos.
A performance poderá se estender até 90 minutos dependendo da última experiência. (interação do público)
O público deverá percorrer os 4 ambientes através de instruções previamente definidas ao longo da performance.

Reflexões

Ópera dos porcos faz uma reflexão acerca da ganância e a soberania de minorias em detrimento da humanidade.
Propõe através de diferentes ângulos uma relação entre porcos, humanos e o espectador.
Inclui particularidades simbólicas que o animal representa ao longo da história
Relaciona o final do século e início do século XXI com o momento atual através dos sentimentos invocados nas seguinte obras:
“Animal Farm” de George Owell, “Ultimatum” de Alvaro de Campos e “Balada para o consentimento a esse mundo” de Bertol Bretch
Propõe diferentes ângulos de visão a respeito do porco. De um lado o glutão e de outro o símbolo de nossa cultura gastronômica representado na feijoada.
Reflete a respeito da dissolução dos limites, sejam eles territórios, sejam eles os limites do próprio corpo
Reflete também a respeito da perda do controle
Propõe de forma ingênua e ao mesmo tempo provocativa o triunfo da arte e da cultura sobre as “forças do mal”.

Ambientes

Primeira sala – Feijoada completa
Os participantes entram em uma sala escura.
6 cabeças de porcos estão dispostas em círculo
Os participantes podem sentar-se em cadeiras dispostas na sala
Os porcos começam a cantar através de projeções realizadas na técnica de vídeo mapping
No final da musica os performers entram na sala e convidam os participantes a degustarem a feijoada.
As cabeças dos porcos são moldadas em feijoada.

Os participantes são convidados a seguirem para a segunda sala

Segunda sala – Feijoada branca

Uma mesa (900cm x 150cm) é disposta na sala escura
Sobre a mesa estão dispostos pedaços de porcos usados na feijoada.
Eles são idênticos e o público não percebe a diferença)
São orelhas, pés, rabos, linguiças, toucinhos, linguiças etc.
A iluminação é feita através de velas vermelhas dispostas entre os “pedaços de feijoada”.
Parte deles é feita de espuma e parte deles é feito de comida.
Os pedaços elaborados com sabores diferentes – salgados e doces
Mousse de mortadela, chocolate branco com bacon, chocolate branco com laranja, mousse de coco.

Terceira sala – Competição

A sala é composta apenas com uma tela de vídeo e o projetor.
O vídeo reúne candidatos de um tipo de concurso famoso em muitos estados dos Estados Unidos, uma competição que avalia o melhor chamador de porcos. Uma cantora lírica compete com os gritos animalescos e a Ópera dos porcos é rematada nessa última etapa da performance. A realidade é servida ao público crua, com um tom de esquivança e de delírio.
Na sala há ruídos de porcos e performers vestidos com máscaras de porcos fazem a recepção e oferecem os pedaços de feijoada ao público.

Participação do coletivo Food of War

Em cada um dos ambientes há intervenções artísticas elaboradas pelos artistas do coletivo Food of war.
Serão pinturas, fotografias e/ou performances.

Letra da música

Ópera dos porcos
Eu porco encorpo o globo
Engordo o corpo
Englobo o povo e como tudo e de tudo.
E todos, e todas também.
Tudo, tudo, tudo
Línguas, lombos e pés
Corpos negros, corpos brancos
Cor de pele, pele suja, pele pura

Sujeira não se põe na mesa.
Só beleza!
Só beleza

Eu porco gordo engordo
De baixo e alto comer
De lata, de lixo, de nata, da nata
Pincelada, textura, gourmet, redução
Família, propriedade e tradição

Sujeira não se põe na mesa.
Só beleza!
Só beleza

Como em todas as línguas
Não tenho contornos
Saqueando, surrupiando
Engordo, encargo, importo
Saqueando, surrupiando
Embaralho joia, propina, carro
Jogo, porcarias

Engordo de estupro e religião
Exploro petróleo, uso canhão.
Jogo com nações e etnias
Brilhos, brisas, doce
Doooooce grana

Porcas, orelhas e rabos
Como grana, como granada, grão

Rabos trançados e emaranhados
Presos em presas públicas e privadas.
Públicas porcarias.

Em gorda coma, engordo como
perco a forma, perco a norma,
Em gorda coma, engordo como
coma, coma, como em coma
Perco a forma, perco a norma,
entro em coma, tenho medo,
Coma, coma, como em coma
tenho medo
Tenha medo
Cê tem medo, cetemmedo,
tenho medo, tenho medo,
cetemmedo, cetemmedo,
tenho medo, tenho medo,

Vou explodir!
Vai explodir!’
Vai explodir!

Fora muro, muralha, paredão
Bota água no caldeirão
Venha ver o caldo ferver
Põe Farinha, e agua no feijão
Pimenta pra temperar a confusão

Vêm voando pé, orelha, costela e rabo
Cai laranja, couve e torresmo,
Farofa de tudo misturado,
A feijoada vai entrar pra refeição
De toda a população

Sujeira na mesa.
É só beleza!
É só beleza!

FOOD OF WAR
É um coletivo sediado em Londres

Fome Come

Fome Come (2012) foi um o coquetel performático montado na 30ª Bienal de São Paulo em 2012. Buscava relacionar o alimento com a realidade sócio-econômica global ao retratar de forma lúdica o contraste entre os países do hemisfério norte, supostamente ricos e bem alimentados, e os do hemisfério sul, mais pobres e marcados pela fome. A instalação pendurou no teto centenas de caixinhas à altura dos olhos. Cada caixinha continha um quitute de regiões diferentes do planeta, todos feitos a partir de receitas cuidadosamente escolhidas. Por exemplo, a caixinha “Brasil” tinha uma empada de carne seca com catupiry e a comida africana foi representada pelo cuscuz marroquino. As laterais das caixinhas traziam impressa a palavra COME. O arranjo das cores das caixinhas formava na parte inferior a palavra FOME, que era refletida por um espelho instalado horizontalmente no chão. Os convidados interagiram com a obra. Ao retirar cada caixinha para pegar o petisco dentro, a instalação foi sendo paulatinamente destruída. Assim, enquanto os convidados matavam a fome, a palavra FOME refletida no espelho ia desaparecendo.

 

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